terça-feira, 26 de julho de 2011


 Interessantíssimo! Lamentavelmente, a meio do percurso, perde-se o cariz humano da trama. É retomado quase no final da história, voltando o leitor a seguir as pistas através da vertente mística das relações entre as personagens. De leitura muito agradável!




                                                                                                                Simone

quinta-feira, 21 de julho de 2011


Um romance leve, contado de forma leve, com personagens leves. O típico romance para levar para férias e ler descontraidamente. Vale, sobretudo, pelo cenário idílico onde a história se passa: a Riviera!



                                                                                                                    Simone

domingo, 10 de julho de 2011


    CASTELOS NO AR                                                      

    Era uma vez um castelo no ar.
    Tal como acontece com qualquer obra arquitectónica que se preze, a ideia tinha sido concebida há muito, muito tempo atrás. Mas, tratava-se meramente de um esboço, uma ainda quase-ideia nebulosa, imprecisa, mal definida. Nenhum dragão o guardava, nenhuma chave o encerrava.
    A certa altura, porém, certo viajante por ali passou e uma pedra assentou. Por graça, a arquitecta outra pedra acrescentou. E, assim, a ideia começou a ganhar forma, a ganhar corpo. Pedra a pedra – ambos tinham guardado todas em que tinham tropeçado, nos seus caminhos -, os talhos do castelo foram-se tornando consistentes. Construído com vagar, com paciência, a cada dia que passava as altaneiras torres iam tomando cor. Tudo à sua volta se ia iluminando. Viajante e arquitecta compuseram um arco-íris que pintava as paredes do castelo com cores impensáveis. À noite, estrelas flamantes riscavam o céu, cavalgavam sonhos e incendiavam o cenário idílico, envolvendo o castelo em luminárias resplandescentes.
   Mas, a dado momento, vago, e cuja inexactidão não interessa aos nossos leitores, a luzência que cercava o castelo começou a dissipar-se. A princípio mal se notava. Era apenas uma ligeira poeira que obstruía, tenuemente, a luminosidade. Como se tratava de algo pouco perceptível, ninguém se preocupou em indagar a causa de tal alteração. E, assim, a poeira foi-se adensando, lentamente, sitiando o castelo numa bruma espessa, cinzenta. O arco-íris empalideceu até se desvanecerem, por completo, as suas cores. As estrelas, desiludidas, foram-se extinguindo. Em pouco tempo, o castelo no ar voltou ao estado primário de esboço impreciso, uma quase-ideia nebulosa.   
    Era uma vez um castelo no ar.


                  
                                                                                                                                                    Simone


Interessante como testemunho histórico, mas pouco apelativo como leitura lúdica.




                                                                                                           Simone

terça-feira, 5 de julho de 2011



Um excelente thriller sobre a tentativa de assassinato de João Paulo II ... e não só!





                                                                                               Simone

segunda-feira, 30 de maio de 2011

EFABULAÇÕES DE UMA TÍBIA

    Ouvia, aterrada, o som que, em poucos segundos, passara de um ruído ciciante, que lhe lembrava uma broca de dentista, a um barulho estridente, ensurdecedor. A senhora da serra eléctrica, qual personagem de um filme de terror de série B, dirigia-se para eles, ostentando, estranhamente, um sorriso amistoso. Continuava a tagarelar por baixo do som atroador. Seria o fim? Mas se tudo não passara de um arrufo de namorados! Encolheu-se o mais que pôde e ouviu, então – finalmente! -, a voz dele:

    - Tíbia!
    
    Ah, pois! Agora que o fim se aproximava a dentes largos e nada mais havia a fazer é que ele se dignava falar-lhe! Tipicamente masculino!
É certo que tinha consciência de ter sido ela a causadora daquela situação. A causadora, não a responsável! O rompimento dera-se há duas semanas e meia, mas a situação arrastava-se há muito mais tempo. Não conseguia determinar quando é que ele começara a desinteressar-se dela. A verdade é que não era osso de meias-palavras, de deixar o que quer que fosse por dizer. Por isso, depois de várias insinuações e provocações, explicou-lhe que se sentia incomodada com o rumo que tinha tomado aquela relação. Namoravam há dois anos, é certo, e pressupunha-se até que os arroubos dos primeiros tempos tivessem diminuído de intensidade. Mas, como amigos tinha ela o fémur, com quem conversava diariamente, o rádio, que frequentemente se deixava dependurar para lhe dar notícias do que se passava no esqueleto, mais acima, e o tarso, que estava sempre ansioso por trocar não dois, mas vários dos seus dedos por conversas. No início, Perónio fazia-se desentendido e não respondia às provocações dela. Mas, confrontado com o pragmatismo daquele osso insistente lá foi deixando cair a ideia de que algo no comportamento da Tíbia o tinha levado àquele afastamento. Ela bem insistiu para que ele fosse claro, directo, não rodeasse a questão. Mas ele manteve-se firme naquele limbo do não-sei-se-diga, não-sei-se-conte. Ora Tíbia, osso longo e robusto, não menos duro de roer do que o casmurro Perónio, armou-se de brios e deixou bem claro que ossos adultos não deveriam comportar-se como ossinhos mimados. Se não queria esclarecer a situação, mesmo sabendo que o seu silêncio a magoava, o melhor seria separarem-se. Veria com quantas células se constrói uma tíbia! Ele manteve-se quieto. E, assim, naquela noite de Primavera anunciada, Tíbia e Perónio, com um quebrar de ossos estriduloso fracturaram-se, na disposição de se manterem de ossos voltados para sempre.

    No entanto, tal proeza não era fácil de sustentar. Algumas horas depois, duas mãos envolveram-nos numa matéria branca, molhada e robusta. Condenados por três longos meses àquela prisão, com o objectivo de voltarem a juntar-se, consolidando-se, assim, para sempre, nenhum dos dois queria ceder. Durante as primeiras 48 horas resistiram o mais que puderam, mas o esforço físico necessário era demasiado intenso e, confinados ao exíguo espaço que lhes tolhia os movimentos, começaram a deixar ceder a matéria sem, contudo, se permitirem um olhar ou uma palavra. E agora ali estavam. Iam convictos de que as mesmas mãos experientes que os haviam encerrado há duas semanas e meia lhes mudassem a prisão para uma mais suave, por bom comportamento.

    Os dentes de aço rasaram a prisão branca e gelada. Célula a célula, Tíbia e Perónio começaram a juntar-se. Mas já nada havia a fazer. A roda dentada estava a poucos milímetros da pele e em poucos segundos rasgaria a carne que os protegia, estraçalhando-os num ápice. Preparam-se para o fim.

    Subitamente, o barulho cessou. A senhora da serra eléctrica abriu a prisão como se de uma casca de ovo se tratasse. Hidratou a pele da perna e as conhecidas mãos experientes voltaram a construir à volta de Tíbia e de Perónio uma nova prisão. Branca, mas mais leve e menos fria. Um prémio pela subtil cedência de ambos? Talvez. Tíbia e Perónio tinham, ainda, dois longos meses de cárcere forçado … e uma questão de afectos para resolver! …

                                                                                                Simone

quinta-feira, 26 de maio de 2011


A NOIVA

A tarde apresentava-se quente e soturna. Há duas horas que se encontrava naquele salão atulhado de gente, de vozes, de móveis, de pensamentos. O vestido colava-se-lhe à pele, os sapatos apertavam-lhe os pés e os ganchos que lhe seguravam o cabelo num arrojado penteado, suspenso da grinalda de flores brancas – uma quase súplica do noivo -, arranhavam-lhe o couro cabeludo. A ostentação da festa, cereja podre no topo do bolo rançoso que era a sua vida, dava-lhe náuseas. Não era o casamento dos seus sonhos, não era o marido dos seus sonhos, a sua nunca fora a vida dos seus sonhos. Sentia-se sufocar de calor, de comida e de gente.
Aproveitando um instante de maior confusão, a noiva esgueirou-se pela ampla porta que dava acesso a um corredor que a tiraria dali rapidamente. Ao passar pelo belíssimo espelho de estilo regência, datado do século XVIII, à sua direita, suspirou. Não era bonita. Baixa, anafada, de pele trigueira e banais olhos castanhos, sentia-se, agora, ridícula naquele longo vestido cheio de folhos e rendas que a desfavorecia, claramente.
Por entre sorrisos e cumprimentos conseguiu chegar à entrada do luxuoso hotel. Desceu os poucos degraus que a separavam do exterior, ignorou a fonte seca com que se deparou e virou à direita. Não estranhou a solidão do local atribuindo-a ao calor abafado que se fazia sentir. Agradou-lhe aquela liberdade e seguiu pelo estreito passeio que acompanhava o edifício contíguo ao hotel. Todas as portas estavam encerradas, mas lembrava-se bem do interior de cada uma. Parou junto à entrada da velha loja de brinquedos onde, quando era pequena, a madrinha a tinha levado. “Escolhe o brinquedo que mais te agradar”, dissera. Os padrinhos eram pessoas endinheiradas e costumavam passar férias naquele complexo termal. Todos estranharam quando a menina escolheu o boneco mais feio que havia na loja. Grão-de-bico, passou a chamar-se. A madrinha, consternada com aquela escolha, incentivou-a a escolher, ainda, outro brinquedo. A cadeirinha vermelha de madeira polida e brilhante resistiu mais tempo que o malfadado boneco.
Continuou pelo passeio e, ao verificar que o pequeno café que ainda ali existia estava fechado, atravessou o largo e desceu por um estreito carreiro de terra batida. Já não se lembrava bem daquele caminho, mas a necessidade de se afastar do salão onde decorria a boda fê-la continuar. O calor aumentava e o vestido de folhos mostrava já enormes manchas de suor. Aflita, tirou os sapatos que quase não a deixavam respirar. De qualquer forma, mais tarde, ninguém perceberia a sujidade dos seus pés por baixo daquele espaventoso vestido.
A terra batida dera lugar a uma espécie de areia grossa cheia de pedras. Cheirava-lhe a água. E então viu-o. Verde, lodacento, umbroso. Do seu lado esquerdo, o lago quedava-se, silencioso, por entre algumas canas e árvores finas cujos nomes desconhecia. Instintivamente, encostou-se ao mato, à sua direita. Não gostava de água. Não se tratava de uma fobia, mas nunca mostrara apetência para o que quer que fosse que se relacionasse com água. Daquele lago, sobretudo. Lembrou-se, então, de que, mesmo quando era pequena e ali ia, com os pais, visitar os padrinhos, e o lago estava cheio de crianças que se divertiam a passear nas “gaivotas”, ela recuava sempre. O lago intimidava-a, arrepiava-a. E, agora, mulher adulta, no dia do seu casamento, tinha ido parar precisamente ali. A ideia de voltar para trás punha-lhe um nó na garganta. Avançou uns passos e, aos poucos, sempre afastada da margem, foi ganhando confiança no passeio.
Repentinamente, uma curva do caminho desenhou, na sua frente, uma ponte de madeira, com cerca de 15 metros de comprimento. Lembrava-se que, por baixo, passavam, antigamente, os risos das crianças, os gritinhos das raparigas e os sussurros dos namorados tranquilizando-as. Era preciso baixar a cabeça para se conseguir passar nas domingueiras “gaivotas” vestidas de verde, amarelo e vermelho. Mas, agora, nem o canto dos pássaros se ouvia. O silêncio fazia-se sentir como uma presença humana. Tal como a humidade.
 A noiva começou a subir a ponte. Por baixo, a água, parada, por entre os velhos barrotes de madeira. Parou ao chegar ao cimo, a parte mais alta. Sentia-se estranha. Sempre se afastara daquele local e, agora, pelo contrário não conseguia afastar-se dele. A ponte parecia-lhe cada vez menos segura. No sítio onde parara, precisamente, os barrotes de madeira, cruzados, que serviam de corrimão, estavam partidos, carcomidos pelo desgaste do tempo, da humidade e da falta de manutenção.
Mas os olhos da noiva estavam fixos na água lodosa. A imagem desenhava-se, distorcida, bem lá no fundo. Uma alga branca, provavelmente. O ribombar do trovão foi como um choque eléctrico. Desviou o olhar para o céu que se tornara escuro. Nem relâmpago nem chuva. Só o trovão. Seco. Ameaçador. Baixou, novamente, os olhos. A alga continuava branca. E sorria. Um sorriso disforme, um esgar, que ondulava num rosto visivelmente de mulher. A noiva não conseguia despregar os olhos da figura. Baixou-se. Algo se desprendia da imagem e subia até ao cimo da água. A viscosidade colava-se-lhe à pele como uma garra. Um véu. Branco. De renda. Flutuava mesmo ali. Esticou-se. Sabia que conseguiria tocar-lhe. Esticou o braço. Se se esticasse mais um pouco. Só mais um pouco …


 * * *

A noite chegara mais abafada que o dia. Pesada, lúgubre. Algumas luzes piscavam ainda no portão de ferro que servia de entrada ao espaço termal. Os últimos convidados saíam num silêncio de luto inesperado, improvável. 
 
         Sentado nos degraus da velha loja de brinquedos, o noivo fixava o pequeno lago que a grinalda de flores brancas, nas suas mãos, ia formando no chão. Um lago verde, lodacento, umbroso …




                                                                                                                      Simone

sexta-feira, 20 de maio de 2011

 


Um presente para o Saulo. :)

                                                                                                                                          Simone

quarta-feira, 18 de maio de 2011

TRADUTOR DE CHUVAS

SEIOS E ANSEIOS                                                  

As vezes que morri
boca derramada entre os teus seios,
todas essas vezes
não me deram luto
porque, de mim, eu em ti nascia.

Todos esses abismos,
meu amor,
não me deram regresso.

Depois de ti,
não há caminhos.

                                               Porque eu nasci
                                               antes de haver vida,
                                               depois de tu chegares.







DORMES                                                                                    BEIJO

Dormes.                                                                                     Não quero o meu primeiro beijo:
Não há no mundo senão teu rosto.                                            basta-me
                                                                                                   o instante antes do beijo.

O céu sob o tecto                                                                       Quero-me
espera comigo que despertes.                                                   corpo ante o abismo,
                                                                                                    terra no rasgão do sismo.
O meu único relógio
é a sombra imóvel no chão do quarto.                                       O lábio ardendo
                                                                                                   entre tremor e temor,
A curva da terra                                                                          o escurecer da luz
em tua pálpebra desenhada:                                                      no desaguar dos corpos:
no teu sono me embalas.                                                          o amor
                                                                                                   não tem depois.
Dormes-me.
                                                                                                  Quero o vulcão
                                                                                                  que na terra não toca:
                                                                                                  o beijo antes de ser boca




FALA DA MULHER QUE SE PENSA GORDA

(...)

Às vezes,
sonho-me dizendo-te:
sou teu algodão doce.
Vem, dissolve-me em tua boca,
seja eu sal da tua saliva.

(...)

                                                                   Mia Couto

domingo, 15 de maio de 2011

O CÃO DE SÓCRATES



Não me agradam, particularmente, humoristas, programas de humor, filmes de humor, anedotas e afins.No entanto, não me lembro de ter rido alto ao ler um livro! "António Ribeiro" revelou uma sagacidade extraordinária na escolha criteriosa dos casos que compõem o livro e uma assertividade equilibrada no tratamento dos mesmos. Uma crítica social a lembrar as fábulas, mas sem a moralidade explícita, no fim. Essa será modelada por cada leitor, de acordo com a sua visão política - sendo que a política é, cada vez mais, parte integrante do nosso quotidiano - dos acontecimentos protagonizados, nos últimos anos, pela personagem que é, afinal, a personagem principal do livro, já que é ela que, segundo o narrador, motiva a sua escrita e determina o rumo da sua própria história ... e da nossa! Uma sátira social de um humor finíssimo!

                                                                                                                                                        Simone

sexta-feira, 13 de maio de 2011

O TEMPO ENTRE COSTURAS


    A história de uma mulher simples, costureira de profissão, de horizontes estreitos, que se se supera transformando a sua vida e a sua personalidade. Torna-se independente, autónoma e glamourosa sem nunca perder a alma. Vive a guerra civil de Espanha longe da sua Madrid, em Marrocos, o protectorado espanhol. No entanto, acaba por desempenhar um papel de alguma relevância na 2ª Guerra Mundial, como espia. Personalidades reais e célebres passam pela história desempenhando papéis de personagens secundárias na História cujo rumo determinaram.
                      

    Gosto de histórias longas para poder desfrutar de tempos, espaços e personagens durante algum tempo, antecipando o desapego de que, obrigatoriamente, necessitarei. 

    História muito, muito, muito interessante!

                                                                                                                                                      Simone

domingo, 8 de maio de 2011

UM LONGO CAMINHO PARA CASA

    Uma boa história e boas personagens são, obviamente, ingredientes indispensáveis para uma leitura agradável. Mas, a falta de um cenário que envolva, criteriosamente,o enredo torna tudo um pouco insípido.
    Uma história pungente, personagens fortes, mas ... faltou qualquer coisa.

                             
                                                                          Simone
                            

                                                                                                                                                                                      

sábado, 7 de maio de 2011

REMÉDIO D'ALMA

CAPÍTULO I - PARTE 5

Adivinhou-lhe a presença, mesmo antes de lhe ouvir a voz.
- Boa tarde.
Virou-se, furiosa, mas o sorriso quase inocente dele desarmou-a durante alguns segundos. Rapidamente se recompôs e preparava-se para descarregar a raiva que sentia. De mão estendida para ela, o homem não tinha consciência alguma do estado de nervos em que a sua demora a deixara!
- É um prazer, finalmente, conhecê-la!
Providencialmente, Manuel Caseiro aproximava-se. E depois o conhecidíssimo sociólogo que dissertaria sobre o assunto do livro. E depois João Souto. E depois outro e mais outro convidado. Em poucos minutos tudo se precipitou. E Madalena não conseguia aproximar-se de Duarte Medeiros. Aos poucos, a fúria que sentia começou a dissipar-se. E Madalena passou a ser o que era sempre: a anfitriã perfeita. Durante a meia hora que antecedeu a apresentação do livro, Madalena e Duarte fizeram as honras do evento, recebendo os convidados e criando uma atmosfera de agradável convívio. Por vezes apanhava-o a olhá-la com um ar que não conseguia decifrar. Rir-se-ia dela? Sentir-se-ia … por saber da sua aflição? Tinha de perder aquela mania de tentar adivinhar o que pensavam os outros! 
Estava no seu ambiente e tudo parecia perfeito. O sol entrava pelas vidraças da galeria, iluminando naturalmente as fotografias, antigas e recentes, do castelo de Almourol, que enchiam as paredes. Abria as cores dos vestidos primaveris das mulheres e punha-lhes reflexos dourados nas madeixas dos cabelos. Madalena, cujo cabelo, comprido e liso, de um castanho-claro que considerava até bastante banal, nunca conseguira perceber por que motivo as morenas se pintavam de louro. Tinha escolhido um vestido em tons verdes e branco, de manga comprida, mas com um decote discretamente pronunciado. Sabia valorizar o seu corpo sem o expor demasiado. Os sapatos, de saltos altos e finos, de um verde mais escuro que o do vestido, compunham o conjunto. Nas orelhas, umas argolas, minúsculas, de ouro, e, no pulso esquerdo, o fino relógio de ouro que o pai lhe oferecera há alguns anos e uma pulseira, também de ouro, de malha simples, que combinava com o fio que trazia ao pescoço. Simples, mas elegante.
A voz dele trouxe-a de volta do lugar para onde, por momentos, se tinha evadido. Alta, clara, prendendo a atenção de todos os presentes. Falava do livro, do que o motivou, da dedicação ao mesmo … Mas era, sobretudo, a forma como dizia. Como se cada um dos presentes fosse o único, como se ele estivesse ali apenas por cada um deles. O que a irritava era perceber que não era mais importante para ele do que qualquer outro dos presentes, mas sentir-se agradada pela atenção que os olhos dele lhe dedicavam.
A sessão terminou e todos se levantaram. Depois de se dirigirem à bancada onde compraram os livros, os convidados aproximavam-se ordeiramente do autor que os autografava com simpatia, sem solenidade alguma, e sempre de forma personalizada. Entretanto, Madalena encaminhava as pessoas para o jardim, onde as esperava um excelente vinho do Porto e os famosos Queijinhos do Céu, doce típico de Constância.
Mais uma vez Madalena e Duarte não conseguiram conversar, porque ambos eram, de facto, muito assediados por todos. Mas Madalena não duvidava de que ele desejava a sua companhia tanto quanto ela desejava a dele.
                                                                                    
A voz de Duarte chegou até ela, destacando-se por entre os murmúrios do jardim, no tom grave, mas doce que já reconhecia. (Pronto! Lá estava ela, de novo, a adjectivá-lo! E ainda por cima com aquela palavra!).
- …Curioso como certos perfumes conseguem transportar-nos a outros tempos e lugares! Era capaz de jurar que esta é a magnólia que sombreava certo recanto do jardim da minha casa em Castelo Branco!
Ah! Então o senhor Duarte Meireles era de Castelo Branco! Lembrava-se, agora, de ter lido alguma coisa sobre isso, aquando do convite que lhe havia dirigido para apresentar ali o seu novo livro, mas a informação esvaíra-se-lhe da memória.
Ora ali estava um bom tema de conversa. Sim, porque Madalena não pretendia deixar escapar Duarte sem conversar com ele, já que, até aí, não tinham passado do brevíssimo cumprimento inicial. Estava certa de, ao jantar, conseguir criar uma oportunidade de aproximar as suas palavras das dele.
Entretanto, o sol começava a pôr-se. Talvez descontentes com o calor antecipado, os dois rios deixaram-se tomar pelas nuvens que, carregadas, ameaçavam desabar sobre a vila. Receosos, os convidados começavam a sair e aqueles que estariam presentes no jantar dessa noite fizeram saber que iriam refrescar-se nos respectivos alojamentos – porque, apesar da chuva iminente, a tarde acabava quente e soturna - e voltariam cerca das 20.30, hora marcada para o dito repasto.
Duarte despediu-se de Madalena com um discreto aceno de cabeça e um sorriso que ela retribuiu da mesma forma.

segunda-feira, 2 de maio de 2011

O JOGO DO ANJO

Início do século XX. Ainda Barcelona. Mais uma trama urdida com mestria por Carlos Ruiz Zafón. Uma história truncada de outras histórias cujas personagens parecem predestinadas a servirem de marionetas ao Mal, personificado num distinto editor que pretende que o protagonista lhe escreva/invente uma nova religião. Um homem que, ao recusar perder a alma, é condenado a uma quase imortalidade e a ver morrer, pela segunda vez, a mulher que ama. E, novamente, o Cemitério dos Livros Esquecidos, um lugar mágico para quem ama os livros!

Diz-se que em equipa que ganha não se mexe. E Zafón parece reger-se por esta máxima. É certo que pode haver quem considere monótono e pouco criativo manter o mesmo tipo de enredo. Por outro lado, quando nos apaixonamos por um livro, é reconfortante voltar aos mesmos espaços, aos mesmos temas, às mesmas personagens ... Esperemos pelo próximo!

                                                                                                                                            Simone

terça-feira, 12 de abril de 2011

REMÉDIO D´ALMA


CAPÍTULO I - PARTE 4

 
Contrariamente ao que seria normal, Duarte não viveu aqueles dias de véspera, nervoso ou ansioso pelo acontecimento. Os lançamentos anteriores haviam-lhe dado alguma tarimba daquelas situações que, recordava, tinham tido peripécias, pequenas coisas a que ele, ironicamente, chamava de “pormaiores” que o faziam lembrar-se com agrado de quase todos eles. E nem um ou outro não tanto a seu contento, fosse pelo lugar escolhido ou pelas presenças, ou até pela menos conseguida mensagem da sua sempre curta alocução, o levou nunca a catalogar de desagradável ou de fiasco qualquer deles: preferia desvalorizá-los no contexto mais abrangente e gratificante do êxito que os seus livros iam conseguindo…
Curiosamente achava e pressentia muito mais facilmente, quando antecipava cenários, que a próxima apresentação teria ainda mais condições para se recordar dela com satisfação acrescida. De cada vez que se detinha a pensar nos pormenores ou no ambiente que se criaria e envolveria os presentes mais directamente interessados no sucesso da sua nova edição, nomeadamente o representante da editora, as publicações ou rádios locais que não deixariam de participar e noticiar, sentia como se já tudo estivesse aprontado e delineado para correr de acordo com as suas expectativas! E não podia deixar de sorrir ao constatar que…tendo apenas uma pálida ideia do local, não imaginando sequer como seria o lugar onde aqueles momentos marcantes iriam decorrer, as suas características de som e de conforto, pois não conhecia o dito Restaurante-Galeria, tal não o impedia de se sentir confiante de que tudo iria decorrer bem!
“Ah, pois! Estará por detrás desta minha confiança a convicção determinada da senhora dona Madalena Silgueiro?...” , perguntava a si próprio, algumas vezes, tentando contrariar o óbvio da resposta! E socorria-se, estranhamente, de um subterfúgio comezinho, ele que se sabia tão pouco dado a expedientes desses, soletrando-o a si mesmo silenciosamente: “ Valorizas mais depressa as capacidades femininas quando te dás conta da ausência dessa companhia na tua vida, é isso! ”
Sabendo o argumento simplista de mais para se auto-convencer, achava-o suficientemente interessante para o ajudar a não perder tempo com fantasias! Afinal, dizia de si para si como remate, assumira querer estar só e fazia tudo menos sentido estar a lucubrar sobre pormenores! Ainda por cima sobre alguém que nem nunca sequer vira! E não pôde deixar de dar uma sonora ainda que breve gargalhada, quando outro “pormenor” lhe acudiu à mente: “ E se a senhora até for casada?...”
Um pouco envergonhado com aquela possibilidade, verosímil, e que antes nunca lhe ocorrera, aspirou o ar ainda fresco da avenida por onde se embrenhou, a pé. Quando tinha tempo gostava de calcorrear as ruas assim, olhando distraído para montras e carros; era uma forma de evitar absorver-se com certos dos seus pensamentos.
“Caraças! … Desta vez não vai acontecer! …”, disse, soletrando as palavras em silêncio, ao mesmo tempo que, com um estalar de dedos elegante, chamou o empregado para lhe pedir a conta. A lembrança de que, outra vez, se esquecera de convidar Teresa subtraiu-o à calma com que passava os olhos pelas notícias do dia, enquanto tomava um rápido e frugal almoço, e colocou-lhe no rosto um esgar de aborrecimento consigo próprio que seria notório a quem estivesse a olhá-lo.
Meteu uma nota de 10 euros na mão do homem e nem se preocupou sequer se tinha direito a troco, saindo a correr, sem se despedir, ante o olhar atónito daquele. Entrou na estação dos correios, do outro lado da rua: para cúmulo de uma manhã que, decididamente, estava a correr menos bem, até do telemóvel se tinha esquecido! E ele queria dizer de viva voz à amiga que gostaria da sua presença na cerimónia de lançamento do seu livro. Sentia que seria motivo para nem ela lhe perdoar nem ele a si próprio, se tivesse a desfaçatez de novo esquecimento! Teresa não o merecia, de facto, e ele já não teria moral para inventar qualquer desculpa que não se justificaria nem seria verosímil. Das outras vezes, à laia de compensação para as suas aberrantes omissões, acabava por lhe levar pessoalmente um exemplar da primeira edição que autografava na presença da amiga. Esta, com inexcedível elegância, desviava o diálogo e evitava as esperadas desculpas, e a recordação da postura dela, em momentos embaraçosos para ele, acentuava o seu mal-estar, por contraste.
Quando voltou à rua, trazia o semblante menos carrancudo! Acabara de ouvir Teresa “aceitar com enorme prazer o convite que muito a sensibilizava!”. Penitenciava-se, ainda, mentalmente, por todas as vezes anteriores em que se esquecera de convidar a amiga, mas sentia-se mais aliviado por, finalmente, ter sido capaz de se lembrar…
A falta de empatia com a colega dos bancos da escola primária, vizinha e amiga de lá de casa, que, em adolescente, não lhe escondera alguma admiração e afecto, não justificava tanto afastamento! Tanto mais quanto a sensatez de Teresa, rapariga que, sem alguns atributos de beleza, compensava essa ausência com uma inteligência arguta e graciosa, notada pelo círculo restrito de amigos e reconhecida por ele próprio, fora capaz de, ao perceber o seu desinteresse e, sem azedume ou mágoa, com uma subtileza que sempre o surpreendera, manter discreta admiração e genuíno afecto, sem o ostentar, pelo rapaz humilde que crescera e se ia tornando conhecido. Nem mesmo depois de o saber casado essa postura digna se alterou. E se Duarte voltou a ficar só, ausente e longe, nem por isso Teresa deixava de lhe demonstrar quanto o apreciava, tão desprendida quanto elegante e afectuosamente. ”Uma Senhora, na verdade.”, ia pensando enquanto caminhava de novo apressado, contente por ter podido lembrar-se de algo que deixaria Teresa feliz! O tom de voz dela, ao despedir-se, não lhe deixava qualquer dúvida sobre isso e essa certeza fê-lo voltar a sentir-se de bem consigo próprio, voltando os pensamentos serenos para os acontecimentos que se seguiriam e que estavam cada vez mais próximos.
Aquietava-lhe a mente a sensação sempre mais nítida de que tudo ia correr bem e daí imaginar-se a revoltar a lugares que o tempo e a ausência iam deixando no limbo era um passo! E aquela anfitriã … Madalena de seu nome, cujo apelido lhe lembrava algo curioso, mas que não sabia especificar!
Ia ser, no mínimo, interessante conhecer e privar de perto com tal personagem, confessou, a si próprio, em silêncio. E, pela primeira vez, deu por si a desejar o tempo mais veloz, ainda que faltassem apenas dois dias e que as coisas que ainda tinha de aprontar até lá fizessem parecer-lhe o tempo passar mais depressa.

A NOITE DAS MULHERES CANTORAS

    No final dos anos 80, cinco jovens mulheres reúnem-se, durante meses, para formarem uma banda que acaba por ter bastante sucesso. Mas, apenas o tempo que antecede o primeiro grande espectáculo é narrado. O fio condutor é-nos dado pelo ponto de vista de uma destas mulheres que conta a história 21 anos depois de ela acontecer. Personalidades distintas ligadas por um desejo de êxito - perfeitamente actual! - moldam-se num universo em que a aniquilação do indivíduo perante o colectivo, em conjunto com a idolatria à personagem que inicia o projecto, leva a um incidente trágico e a rumos de vida díspares.

    Nunca tinha lido nenhum livro de Lídia Jorge. Neste, retrata-se a sociedade da época de forma bastante realista, conseguimos reconhecer facilmente a década e reconhecer-nos numa ou outra característica de uma ou outra personagem. Prefiro, no entanto, histórias mais distantes da realidade com que me confronto todos os dias. A história de amor que perpassa na obra pareceu-me vulgar, sem grande consistência, com um desfecho pouco claro.

    Gostei, mas não me apaixonei pelos lugares, pela época, pelas personagens ou pela história. 

                                                                                                                                                Simone 

sábado, 2 de abril de 2011

REMÉDIO D'ALMA



CAPÍTULO I  - PARTE 3


16.30. Sentada no jardim, Madalena começava a sentir-se inquieta. No último contacto tido com Duarte Meireles, este havia-lhe dito que chegaria algum tempo antes da hora marcada para o início da apresentação do livro. Não lhe dissera, no entanto, quanto tempo antes. Agora, faltava uma hora e meia e não havia meio de o conseguir contactar.
Da parte dela, como de costume, estava tudo pronto. De manhã, ultimara os preparativos para o evento, supervisionando todos os pormenores e, depois do almoço, viajara até Tomar para cuidar da sua aparência. Ao sair do salão de cabeleireira/estética, duas horas depois de lá ter entrado, sorriu para a sua imagem projectada no vidro da montra. Era vaidosa, reconhecia, muito vaidosa mesmo.  Não pôde deixar de pensar na impressão que causaria no petulante escritor. Por várias vezes dera por si a pensar como seria ele ao vivo. Adivinhava-lhe o sorriso irónico, o leve arquear de sobrancelha troçando, discretamente, dela, o olhar de sobranceria que a sua superioridade presumida lhe conferia. Estava, decididamente, ansiosa por conhecê-lo pessoalmente e mostrar-lhe que sem a sua insistência – a que, sentia, o irritava, profundamente –, os seus cuidados, a sua supervisão, o evento não seria o sucesso que ela previa. No fundo, pretendia afrontá-lo com o seu profissionalismo.
16.45. Lá dentro, na galeria, Manuel Caseiro continuava a mudar a posição de um ou outro trabalho seu, infernizando todos os que, inadvertidamente, se aproximavam dele. Era um perfeccionista, sem dúvida.
Madalena procurou relaxar, puxando a cadeira mais para a frente, em busca do sol daquela tarde primaveril. Evadiu-se no calor e na tranquilidade do jardim. A lembrança de que João Souto estaria presente no evento acalmou-a. Nunca se espantara com as “coincidências” com que a vida a brindava frequentemente. Esta era mais uma e agradava-lhe de sobremaneira. Conhecera João há cerca de 15 anos e a diferença de idades que os separava – ele era mais velho do que ela 20 anos – nunca tivera importância na amizade que, desde os primeiros momentos partilharam. Recomendado por amigos comuns, o advogado ajudara-a a resolver uma questão relacionada com o aluguer de um apartamento que os pais lhe tinham oferecido. Estabeleceu-se, de imediato, uma relação de respeito, de admiração e de cumplicidade entre ambos. A ela nunca lhe passara despercebida a forma como o amigo a olhava. Até porque a apetência dele pelo sexo feminino era bastante comentada. No entanto, nunca tinham passado do carinho de amigos e de uma ou outra insinuação respeitosamente maliciosa. E, agora, João aparecia-lhe como conhecido de Duarte Meireles e comentador do livro.
O que é que ligaria Duarte Meireles a João Sousa? Um era historiador, o outro advogado. É certo que ambos escreviam, mas os livros de Duarte  Meireles tinham atingido um elevado grau de popularidade – provavelmente devido às histórias romanceadas que fazia da História - enquanto que os do seu amigo faziam sucesso apenas entre o seu núcleo de colegas, amigos, familiares, conhecidos e clientes. Madalena lera todas as críticas que encontrara sobre Duarte Meireles e as suas obras. Todas eram unânimes em apresentá-lo como um profissional competente e rigoroso e como um homem recatado, mas de trato afável. Daí não entender a animosidade contida que sentia na voz e nas palavras de Duarte Meireles. Irritava-o, não duvidava disso.
E, agora, o homem parecia disposto a atormentá-la com a demora em chegar.
Perdida nestes pensamentos, ouviu o relógio da torre da igreja bater as 17 horas.

sábado, 26 de março de 2011

Olha...Simone...disseram que gostavam de nós!!! :) Que achas? Terá sido mera simpatia ou as meninas voltarão mesmo? :)

sábado, 12 de março de 2011

O Namoro de Hoje em Dia

Namora-se ao luar, às vezes ao relento!
Namora-se de noite e, quando se pode e se deseja, de dia...
Namora-se de manhã, à tarde e ao meio-dia!
Namora-se a fingir, a sério, ora depressa, ora mais lento...
Namora-se! Enamora-se e...

Quando calha, o namoro dura...,
Com entusiasmo,
Às vezes com ternura!
E se este falha e prevalece o marasmo
Até se inventa a "gralha"
De um dia que o valha
Pra parecer que perdura.
Que loucura!!!

                                                                                                                                                Saulo

segunda-feira, 7 de março de 2011

O Sonho do Celta


    A história narra a vida extraordinária de Roger Casement, cônsul britânico no Congo belga e na Amazónia peruana, nos séculos XIX e XX. Acérrimo defensor dos direitos humanos, viveu uma vida cheia de aventuras, ousadias e sonhos. Com tenacidade, este nacionalista irlandês lutou pela libertação do seu país e foi, por isso, perseguido e condenado à morte. Difamado por causa da suposta traição por se ter aliado aos alemães e por causa da sua orientação sexual, só recentemente foi reconhecido como um herói.

    Antes d' O Sonho do Celta, só tinha lido A Tia Júlia e o Escrevedor, Travessuras da Menina Má e Pantaleão e as Visitadoras. Roger Casement pode não parecer uma personagem tão extravagante como as das outras obras - talvez por Vargas Llosa ter pretendido manter um certo distanciamento dela para mostrar imparcialidade no tratamento da mesma -, mas é, sem dúvida, um exemplo perfeito de um homem diferente do comum, simples, sem ser banal, complexo, sem ser incompreensível, dotado de uma consciência humana, política, social e afectiva que o tornaram num ser raro.

                                  Nenhum homem é completamente bom ... nenhum homem é completamente mau!

                                                                                                                                                  Simone

domingo, 6 de março de 2011

O Inverno da Vida


A pequena vila não passava de uma estrada relativamente estreita que serpenteava pela serra acima, recortada por cerca de meia dúzia de ruelas à direita de quem a subia.
Ao chegarem à pequena praça da Câmara Municipal, estacionaram o carro e saíram para fruírem do tímido sol de inverno que tão bem sabia depois de um longuíssimo mês de chuvas intensas e nuvens negras.
Atravessaram o pequeno jardim, atapetado por calçada portuguesa e alguns canteiros de relva verde e bem aparada, passando por alguns bancos de madeira e árvores recentemente podadas, até chegarem ao gradeamento que protegia a praça do precipício da serra que, ali, descia em escarpa ainda húmida das últimas chuvas. Sentaram-se nos bancos individuais de pedra que cortavam as grades de ferro a apreciarem a paisagem. Um deslumbramento! O rio corria, em baixo, separando a estrada estreitíssima do lado de cá da pequena praia fluvial do lado de lá. A língua de areia dava rapidamente lugar à serra que subia sinuosa e íngreme até se perder de vista.
O velho surgiu de um dos cantos do jardim, junto à pastelaria, privilegiadamente situada mesmo junto à ravina. Andava na direcção delas e ali parou, procurando conversa.
- Então vieram dar uma voltinha. Não são de cá.
Francisca, pouco dada a conversas com estranhos, ofereceu ao homem um sorriso amarelo, desencorajador. Mas, Clara retorquiu imediatamente:
- Não, não somos de cá. Viemos passear e apanhar sol.
O homem aproveitou a abertura e por ali ficou à conversa. Era alto e bem constituído. Apesar da idade avançada e da bengala em que se apoiava, mantinha uma postura direita e um olhar directo, sem constrangimento nem arrogância. Contou uma ou duas anedotas, declamou uns versos populares sobre a vila e, depois de uma brincadeira sobre o cemitério que se avistava do outro lado, aconselhou-as a visitarem o Penedo de Castro.
- Só falta a neve para aqui termos as montanhas da Suíça. 
Estranharam que um homem claramente nascido naquele lugar soubesse alguma coisa sobre as montanhas da Suíça.
- Fui camionista de longo curso, durante muitos anos, conheço a Europa quase toda.
E assim lhes foi falando da vida preenchida que levara. Viagens, mulheres, negócios … Ouviam-no estupefactas. Não sendo literato, o homem era um excelente conversador, tinha um discurso fluente e conhecia o mundo.
Ainda lhes falou sobre a sua juventude, quando trabalhava na cidade a uns escassos vinte quilómetros da vila. Puseram-se a imaginar como seria a viagem, feita de bicicleta, em pleno Inverno, por uma estrada em condições péssimas. Contou-lhes, orgulhoso, como tinha salvo, uma vez, a vida a um conterrâneo que sofrera um acidente, junto ao rio. Uma época em que a morte ainda era uma tragédia e em que poucos morriam sozinhos.
A conversa foi esmorecendo e as duas mulheres despediram-se. Uma pequena volta de carro até fora da vila e, ao retornarem pelo mesmo caminho, voltaram a ver o velho que descia a estrada, ainda perto da praça onde o tinham deixado.
Clara ficou a vê-lo pelo espelho retrovisor. Quando o homem desapareceu, uma sensação estranha a invadiu. A lembrança daquele homem, agora velho e sozinho, mas outrora cheio de vida, juventude e força acompanhá-la-ia durante toda a viagem. Seria assim também com ela? Chegaria um tempo em que ninguém reconheceria nela a mulher de agora? Também ela viveria um dia apenas de lembranças? Apertou-se-lhe o coração ao pensar como seria o Inverno da sua própria vida …
                               

                                                                                                                                                                                   Simone