sábado, 7 de maio de 2011

REMÉDIO D'ALMA

CAPÍTULO I - PARTE 5

Adivinhou-lhe a presença, mesmo antes de lhe ouvir a voz.
- Boa tarde.
Virou-se, furiosa, mas o sorriso quase inocente dele desarmou-a durante alguns segundos. Rapidamente se recompôs e preparava-se para descarregar a raiva que sentia. De mão estendida para ela, o homem não tinha consciência alguma do estado de nervos em que a sua demora a deixara!
- É um prazer, finalmente, conhecê-la!
Providencialmente, Manuel Caseiro aproximava-se. E depois o conhecidíssimo sociólogo que dissertaria sobre o assunto do livro. E depois João Souto. E depois outro e mais outro convidado. Em poucos minutos tudo se precipitou. E Madalena não conseguia aproximar-se de Duarte Medeiros. Aos poucos, a fúria que sentia começou a dissipar-se. E Madalena passou a ser o que era sempre: a anfitriã perfeita. Durante a meia hora que antecedeu a apresentação do livro, Madalena e Duarte fizeram as honras do evento, recebendo os convidados e criando uma atmosfera de agradável convívio. Por vezes apanhava-o a olhá-la com um ar que não conseguia decifrar. Rir-se-ia dela? Sentir-se-ia … por saber da sua aflição? Tinha de perder aquela mania de tentar adivinhar o que pensavam os outros! 
Estava no seu ambiente e tudo parecia perfeito. O sol entrava pelas vidraças da galeria, iluminando naturalmente as fotografias, antigas e recentes, do castelo de Almourol, que enchiam as paredes. Abria as cores dos vestidos primaveris das mulheres e punha-lhes reflexos dourados nas madeixas dos cabelos. Madalena, cujo cabelo, comprido e liso, de um castanho-claro que considerava até bastante banal, nunca conseguira perceber por que motivo as morenas se pintavam de louro. Tinha escolhido um vestido em tons verdes e branco, de manga comprida, mas com um decote discretamente pronunciado. Sabia valorizar o seu corpo sem o expor demasiado. Os sapatos, de saltos altos e finos, de um verde mais escuro que o do vestido, compunham o conjunto. Nas orelhas, umas argolas, minúsculas, de ouro, e, no pulso esquerdo, o fino relógio de ouro que o pai lhe oferecera há alguns anos e uma pulseira, também de ouro, de malha simples, que combinava com o fio que trazia ao pescoço. Simples, mas elegante.
A voz dele trouxe-a de volta do lugar para onde, por momentos, se tinha evadido. Alta, clara, prendendo a atenção de todos os presentes. Falava do livro, do que o motivou, da dedicação ao mesmo … Mas era, sobretudo, a forma como dizia. Como se cada um dos presentes fosse o único, como se ele estivesse ali apenas por cada um deles. O que a irritava era perceber que não era mais importante para ele do que qualquer outro dos presentes, mas sentir-se agradada pela atenção que os olhos dele lhe dedicavam.
A sessão terminou e todos se levantaram. Depois de se dirigirem à bancada onde compraram os livros, os convidados aproximavam-se ordeiramente do autor que os autografava com simpatia, sem solenidade alguma, e sempre de forma personalizada. Entretanto, Madalena encaminhava as pessoas para o jardim, onde as esperava um excelente vinho do Porto e os famosos Queijinhos do Céu, doce típico de Constância.
Mais uma vez Madalena e Duarte não conseguiram conversar, porque ambos eram, de facto, muito assediados por todos. Mas Madalena não duvidava de que ele desejava a sua companhia tanto quanto ela desejava a dele.
                                                                                    
A voz de Duarte chegou até ela, destacando-se por entre os murmúrios do jardim, no tom grave, mas doce que já reconhecia. (Pronto! Lá estava ela, de novo, a adjectivá-lo! E ainda por cima com aquela palavra!).
- …Curioso como certos perfumes conseguem transportar-nos a outros tempos e lugares! Era capaz de jurar que esta é a magnólia que sombreava certo recanto do jardim da minha casa em Castelo Branco!
Ah! Então o senhor Duarte Meireles era de Castelo Branco! Lembrava-se, agora, de ter lido alguma coisa sobre isso, aquando do convite que lhe havia dirigido para apresentar ali o seu novo livro, mas a informação esvaíra-se-lhe da memória.
Ora ali estava um bom tema de conversa. Sim, porque Madalena não pretendia deixar escapar Duarte sem conversar com ele, já que, até aí, não tinham passado do brevíssimo cumprimento inicial. Estava certa de, ao jantar, conseguir criar uma oportunidade de aproximar as suas palavras das dele.
Entretanto, o sol começava a pôr-se. Talvez descontentes com o calor antecipado, os dois rios deixaram-se tomar pelas nuvens que, carregadas, ameaçavam desabar sobre a vila. Receosos, os convidados começavam a sair e aqueles que estariam presentes no jantar dessa noite fizeram saber que iriam refrescar-se nos respectivos alojamentos – porque, apesar da chuva iminente, a tarde acabava quente e soturna - e voltariam cerca das 20.30, hora marcada para o dito repasto.
Duarte despediu-se de Madalena com um discreto aceno de cabeça e um sorriso que ela retribuiu da mesma forma.

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