CAPÍTULO I - PARTE 3
16.30. Sentada no jardim, Madalena começava a sentir-se inquieta. No último contacto tido com Duarte Meireles, este havia-lhe dito que chegaria algum tempo antes da hora marcada para o início da apresentação do livro. Não lhe dissera, no entanto, quanto tempo antes. Agora, faltava uma hora e meia e não havia meio de o conseguir contactar.
Da parte dela, como de costume, estava tudo pronto. De manhã, ultimara os preparativos para o evento, supervisionando todos os pormenores e, depois do almoço, viajara até Tomar para cuidar da sua aparência. Ao sair do salão de cabeleireira/estética, duas horas depois de lá ter entrado, sorriu para a sua imagem projectada no vidro da montra. Era vaidosa, reconhecia, muito vaidosa mesmo. Não pôde deixar de pensar na impressão que causaria no petulante escritor. Por várias vezes dera por si a pensar como seria ele ao vivo. Adivinhava-lhe o sorriso irónico, o leve arquear de sobrancelha troçando, discretamente, dela, o olhar de sobranceria que a sua superioridade presumida lhe conferia. Estava, decididamente, ansiosa por conhecê-lo pessoalmente e mostrar-lhe que sem a sua insistência – a que, sentia, o irritava, profundamente –, os seus cuidados, a sua supervisão, o evento não seria o sucesso que ela previa. No fundo, pretendia afrontá-lo com o seu profissionalismo.
16.45. Lá dentro, na galeria, Manuel Caseiro continuava a mudar a posição de um ou outro trabalho seu, infernizando todos os que, inadvertidamente, se aproximavam dele. Era um perfeccionista, sem dúvida.
Madalena procurou relaxar, puxando a cadeira mais para a frente, em busca do sol daquela tarde primaveril. Evadiu-se no calor e na tranquilidade do jardim. A lembrança de que João Souto estaria presente no evento acalmou-a. Nunca se espantara com as “coincidências” com que a vida a brindava frequentemente. Esta era mais uma e agradava-lhe de sobremaneira. Conhecera João há cerca de 15 anos e a diferença de idades que os separava – ele era mais velho do que ela 20 anos – nunca tivera importância na amizade que, desde os primeiros momentos partilharam. Recomendado por amigos comuns, o advogado ajudara-a a resolver uma questão relacionada com o aluguer de um apartamento que os pais lhe tinham oferecido. Estabeleceu-se, de imediato, uma relação de respeito, de admiração e de cumplicidade entre ambos. A ela nunca lhe passara despercebida a forma como o amigo a olhava. Até porque a apetência dele pelo sexo feminino era bastante comentada. No entanto, nunca tinham passado do carinho de amigos e de uma ou outra insinuação respeitosamente maliciosa. E, agora, João aparecia-lhe como conhecido de Duarte Meireles e comentador do livro.
O que é que ligaria Duarte Meireles a João Sousa? Um era historiador, o outro advogado. É certo que ambos escreviam, mas os livros de Duarte Meireles tinham atingido um elevado grau de popularidade – provavelmente devido às histórias romanceadas que fazia da História - enquanto que os do seu amigo faziam sucesso apenas entre o seu núcleo de colegas, amigos, familiares, conhecidos e clientes. Madalena lera todas as críticas que encontrara sobre Duarte Meireles e as suas obras. Todas eram unânimes em apresentá-lo como um profissional competente e rigoroso e como um homem recatado, mas de trato afável. Daí não entender a animosidade contida que sentia na voz e nas palavras de Duarte Meireles. Irritava-o, não duvidava disso.
E, agora, o homem parecia disposto a atormentá-la com a demora em chegar.
Perdida nestes pensamentos, ouviu o relógio da torre da igreja bater as 17 horas.
Estou a gostar e volto sempre à procura de mais um capítulo...
ResponderEliminarBeijos